terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Ode à ciência histórica - parte 2

Ideologias, sistemas políticos, métodos científicos, filosofias e religiões, e outras tantas obras do espírito humano, como as belas-artes, e afins, ora, todas as civilizações e seus subprodutos, a saber, os estados universais e as religiões superiores, tem como comum identidade serem criações humanas, arquitetados por grandes mentes e executados pelas pequenas. Ou algo assim. A ciência histórica tem por objeto o estudo da criação, desenvolvimento e queda dessas civilizações, dessas sociedades, isto é, estuda o homem em corpo e alma sociais através do tempo, estuda todas as realizações humanas em nível geral, pela variável tempo, em profundidade maior ou menor de uma ou outra variante, de acordo com seu nível de identificação de um campo inteligível ou nível de importância dinâmica para a manutenção ou progressão da sociedade como um todo ou em partes.



Claro que há muito mais sobre a dita ciência, riquíssima em sua própria história, e não espero nunca esgotá-la, nem mesmo me aprofundar no assunto, nem me aproximar dos vários campos de estudo histórico como a arqueologia, a geologia, paleontologia e outros seus ‘rebentos’ como a sociologia, antropologia, ciência política, nem sua ‘rival’, a psicologia. Por ora, bastam algumas considerações de primeira ordem.


A história nos apresenta, pelos métodos mais rigorosos de investigação até a mais especulativa transcendentalidade da liberdade humana apresentada historicamente, um retrato ora harmonioso, ora duro e frio da alma humana. A resposta da história aos absurdos da velha moral, suas velhas insistências, sua própria velhice encarnada em guerras religiosas e tribunais eclesiásticos é de uma limpidez impressionante, mas... livre de ideologias? Não, infelizmente, visto que ela se inicia, com os historiadores gregos e latinos como forma de exaltar suas próprias civilizações, frequentemente em versos, e apresentando-se como mera literatura como pouco ou quase nulo rigor, diríamos até, uma dose excessiva de patriotismo senil. O que não invalida o valor literário das obras, só aumenta, mas o valor histórico, de grande monta, diminui. As crônicas medievais tem um valor que me agrada mais, o tipo de literatura que possui suas maiores qualidades pela sua historicidade e não pela estilística, altíssima também. O problema é, nos chansons, o excessivo zelo em mostrar míticos heroísmos, proezas imaginárias e impossibilidades bárdicas, mas não é necessário ser um grande crítico para notá-los. Da Idade Moderna à Contemporânea, isso se complica, mas temos um começo de desenvolvimento da história enquanto ciência no século XIX com o idealismo de Hegel e com Marx, e seu sadio materialismo que finalmente nos tira do fosso moral-idealista. Essa é a grande vantagem do marxismo: através de uma historiografia mui sadia nos apresenta um mundo mais sujo e menos colorido, fedido, na verdade, mas nos dá armas para perscrutar essa realidade, concebê-la integralmente. Isso, claro, antes do marxismo ser levado às raias da loucura e sua contra-ideologia virar ideologia.


Enfim, esse resumo tosco serve aos nossos propósitos iniciais para ilustrar a necessidade que temos de novos e prementes esforços de trabalho na ciência histórica: a sistematização da história só se iniciou no século XIX e ainda está caminhando, atrasada por inúmeros motivos. Nunca seguiu ciências maduras como a física, e assusta isso ao sabermos que a doença muito humana de criar mundos, deuses, pecados e virtudes, toda a moral e religião, enfim, e nunca antes se preocupou com o passado de suas tribos e nações, a não ser como um ritual vazio indígena ou como uma forma de criar novos deuses a partir de velhos líderes e situações importantes, e como nova arte, pura literatura. Esse afastamento, essas doces ilusões, encerrou a história científica em um limbo milenar, só quebrado pela esquizofrenia técnica de fins dos anos setecentistas. Eis um quadro ingênuo. Falaremos da história mais filosoficamente e menos toscamente no próximo post...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ode à ciência histórica - parte 1

Admite-se a hipótese de a história ser uma das ciências de mais complexa evolução, e tem contra si os ódios dos diversos idealismos, e, por paradoxo simples, sua gênese enquanto ciência séria se dá com o materialismo histórico-dialético, a maior sandice idealista que o ser humano já concebeu, excluindo o abraamismo, óbvio. Temo, na verdade, mais pela ignorância desses paradoxos que movem a ciência que o desconhecimento em si da evolução, afinal, fazer uma história da história é tão trabalhoso como inútil. Nossos pseudo-filósofos podem bem dizê-lo...



A minha preocupação se deve ao meu espírito, que, antes de considerações religiosas e de qualquer existencialismo, sempre teve uma forte consciência histórica antes de ter uma consciência crítica. Comecei, digamos, pelo fim, mas a filosofia é mais uma curiosidade na minha vida, e um prazeroso exercício intelectual, uma verdadeira masturbação, digamos. A história, pelo ponto de vista marxista, por seu lado, sempre esteve presente na minha vida, e não creio que breves substituições de filosofias podem mudar isso algum dia. Principiemos a defesa do espírito histórico-crítico pela refutação do ideal cristão.


O cristianismo surgiu na minha vida através da filosofia, que já era, e sempre foi, masturbação intelectual, de Platão a Hegel, e, através dele, veio teologia, liturgia, história da Igreja. Conhecer o quanto os racionalistas anti-clericais deformaram a imagem da Igreja, ora, do cristianismo como um todo, me ajudou muito a endeusar Roma. As estruturas diabolicamente centralizadas, o aparato filosófico e a defesa da razão nos moldes helênicos a torna bem apreciável, mas, como conciliar esse monstro romano e digno dos louvores mais aristocrático, até imperial, com essa abnegação de todo sentimento de poder, esse poder construído sobre um castelo de piedade, bondade e fé?


Tentei me amolecer no monasticismo, nas obras sociais etc, mas Roma sempre será Roma, e os meus esforços de conciliar fé e razão, até pela filosofia da história da Civitate Dei, enfim, toda essas choradeiras me valeram escoriações de toda sorte e uma felicidade na ignorância, sem falar na defesa mórbida do medievalismo ratzingeriano. Ainda avaliando criticamente, essa posição dele é louvável pela coragem, e sempre admirei a coragem, ainda mais nesses tempos de atrofia monstruosa em nível moral, político-econômico e principalmente religioso-filosófico. Não há como não ver no ecumenismo e na Teologia da Libertação sintomas de uma degenerescência enorme dentro dos muros da Igreja, um infiltramento de ideologias na Cristandade e de sonhos globalizantes, aliás, a principal responsável por essa fraqueza. Tudo muito bem, tudo muito bonito, mas isso requer, ao mesmo tempo, uma idolatria de idéias absolutas, um descompromisso histórico ao afirmar a supremacia da vida do Nazareno sobre todos os acontecimentos do mundo e ainda crer em uma parúsia dita única, sendo que ela, como inúmeros elementos do cristianismo, existe em uma porrada de outros credos e pensamentos. Há inúmeras idolatrias idealistas que me comprometiam, a oração, por exemplo, tinha o mesmo efeito de uma viagem astral, o de me dar dor de cabeça e impotência sexual.


No mais, quando se derruba o idealismo, ficamos a ver navios e, o pior, é se ver emocionado hoje por celebrações litúrgicas, curas milagrosas, novas idolatrias e uma incapacidade de ver novos horizontes como se a pequenez cristã a tudo abarcasse por uma frase ou outra do Mestre. O fato é que a violência dessas dúvidas sobre a validade do cristianismo, alimentadas por um amor à coragem do Papa me impotencializa sobre novas opiniões sobre todo o resto, e não sei se isso é um bem, como um padrão verdadeiro, ou um mal, uma ilusão. Mas sem idealismo, o cristianismo ainda é útil antídoto contra o desânimo e o desespero, e um enfrentamento de realidades absurdas, além de proporcionar coragem e modelos a serem seguidos além da ascese. Hoje, estou tão assolado que nem sei mais em que acreditar e em que duvidar. Fico com a história.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A volta do filho pródigo

Acordando dos meus devaneios idealistas sobre a moral natural e outras sandices intelectuais, fiz-me impor uma revolução dos instintos, o que, diga-se de passagem, nada mais é que uma involução à crisálida. O homem que encontra a luz e a aprisiona dentro de si é pior que um animal, é uma hedionda criatura do diabo, mas compreendam, o diabo é mais humano que Deus. Muito me agrada o diabo, é mais verossímil que os sonhos dos poetas. Nem condeno as viagens solitárias do intelecto e admiro imensamente (aliás, não vejo nada mais além disso) o caminho do solitário, ainda que este pobre animal corra o risco de ser chamado de perturbado, mongolóide ou pior, de anti-social, outra dessas inefáveis ideologias.




Falemos de vida, o pequeno e insólito conflito esquerda-direita tem me arrastado para suas quimeras infantis, seus joguinhos bestas de empurra-empurra, seja pela tradicional combatividade espartana e idealismo religioso dos marxistas, tantos os sindicais da profunda ralé quanto a elite marxiana, parte desse monstro impossível chamado intelectualidade brasileira, quanto pela enervante arrogância e simplismo burguês, com suas manias, seus sonhos de consumo, suas Cocas, Brahmas, Jovem Pan, Globo e aquele perfume de ostentação pseudo-iluminista chamado Veja, além das modelos, atrizes, BBBs e outros amontoados de lixo que nos empurram goela abaixo nas faculdades de ciências sociais, e pela maldita internet e pela monstruosa televisão, para não mencionar que agora perderam o medo de reafirmar suas imposições, de condenar a condenação da usura, falam agora da ditadura militar com menção honrosa, criticam os guerrilheiros como verdadeiros bandoleiros como se o xerife de Sherwood fosse um João Paulo II, e declaram abertamente que temem a futura ditadura lulista (!) e censuram a censura petista (!) como uma nova inquisição, entre outros devaneios e histerias.Retirei-me desse campo de batalha com sérias dúvidas, mas nada que canse minha feiúra ou me deprima sobremaneira.


Historicamente, claro, a minha ignorância de filosofia da história é uma benção, por me permitir ser cético e, por vezes, o ceticismo é uma cruz a se carregar, e uma cruz que salva, como a besta cristã bem sabe. Como assim? Tudo isso não é um só resumo da estrada filosófico-psicológica porque passei desde então? Coisa de 3, 4, 5 meses? É, mas é mais, é um relato da superficialidade discursiva da dita modernidade líquida, e dos neo-iluministas de gabinete, e uma pergunta fácil de calar: porque, Caio, o cristianismo? Lembremos, guerreiros e diminutos leitores, que a atrofia intelectual e moral (se é que me entendem) conduz a um câncer na alma, uma ferida psicológica difícil de cicatrizar. Refugiei-me na Igreja e em suas consolações ‘eternas’, isto é, tive razões práticas também: coisa de festas de fim-de-ano, missa do galo, terços, novenas, e Toynbee demais, e releituras de Santo Agostinho. Enfim, coisa passageira, e que provavelmente me voltará, mas, por enquanto, me contento em explicar que minhas grandes defesas racionais do cristianismo se amparam totalmente no idealismo mais puramente ocidental, logo, não as levem a sério.


Feita minha defesa, fica esse post como um lembrete das conscienciosidade dessa pobre criatura, e que fala tanto de amor, tem de falar de ódio também, mas essa volta ao blog tem de vir carregado de desprezo. Afinal, mentir, eu não minto, pelo menos não nos momentos racionais, isto é, não-cristãos.