segunda-feira, 24 de maio de 2010

Construção do sentido


O que me chamou a atenção é o sentido que os estruturalistas e desconstrucionistas dão à significação, o ato de dar sentido às coisas. A partir do momento em que entra em contato com os fenômenos, o homem percebe que sente algo além da sensação, ele pode dar sentido ao que enxerga. Ele sente e explica, concatena, estabelece nexos e ligações entre as coisas sentidas, as organiza mentalmente, as classifica, mas, antes de tudo, dá sentido ao que pensa. É consciente, sabe dar sentido, mas sabe que pode dar sentido e passa a dar sentido a essa capacidade, isto é, reflete sobre o próprio pensar, desenvolve noções e conceitos explicativos, guias para se loclaizar nesse emaranhado de conhecimento.Torna-se organizado socialmente, institui religião, Estado, uma economia, tudo a partir da necessidade, e pensa e realiza soluções importantes, mas só seu desenvolvimento intelectual o torna reflexivo o suficiente para desmontar a própria cultura, só dando sentido à cultura, entendendo como esta se formou e a origem da própria consciência, é que esse homem passa do estágio primitivo.

Meu ideal, se posso ainda falar em ideal, não é a metafísica, mas o existencialismo mais simples, a noção, ou teleologia mais simples que me permita falar em 'significação', ou a forma em que o mundo é apenas enquanto percebido por mim. Não existe antítese entre aparência e essência, a essência é um conceito abstrato, uma forma de se separar o instinto da vontade dos outros instintos, ou uma forma de separar objetividade de subjetividade.O que eu percebo é objetivo, porque é transformado pela minha subjetividade em algo significável, através de um signo qualquer. O processo de significação é a verdaderia objetividade, seus princípios ou leis são os determinados pela estreita relação entre a carga informacional dos objetos e as influências biológicas, psicológicas que atuam sobre mim, que tornam minha 'razão' algo que pode, potencialmente, estabelecer juízos, processar informações, imortalizar-se no devir pelas sucessivas e voluntárias (ou não) representações da realidade interacional.

A filosofia é o caminho espinhoso em que a subjetividade se representa objetivamente, ou onde o indíviduo apreende o objeto. A relação entre a informação natural dos objetos e o processo lógico de absorver tais informações é o saber. A filosofia é a guia para entendermos como se processa essa relação, quais seus métodos e formas, finalidades e acidentes. Trata-se de uma metafísica linguístico-lógica ou de uma fenomenologia do espírito? Não sei ainda, mas faz muito sentido.

O sentido do mundo

Refletindo recentemente sobre o valor do que se pode chamar de 'revolução intelectual', ou melhor, essa fase na vida do jovem quando se dá conta da falsidade das relações sociais, econômicas e principalmente dos pressupostos filosóficos, os ridículos fundamentos da nossa sociedade, do nosso mundo falso e demagogo. Antes de esmiuçar brevemente a questão desse despertar, precisamos nos perguntar primeiro o que é mundo.


Se mundo for cosmos, enveredamos no terreno da religião e da mitologia, se for Ser, entramos na metafísica. Mundo enquanto cosmos é um caos, uma desordem que se organiza através de um acontecimento ahistórico, uma ação in illo tempore, que inaugura uma relação, uma parte ou lei da natureza, o ser humano ou princípios ativos que regem, cosmicamente, os planos humano e natural, ainda confundíveis. Tais princípios são deuses e os mitos, mera representação, de mentes de conhecimento lógico-linguístico raso, da realidade empírica, até de certa abstração quimérica, à indiana.


O mundo mítico é não só um ancestral do pensamento filosófico, como sua antítese. Filosofia e mito são antitéticos não só no tocante à uma natural superação de um pelo outro, de uma coexistência pacífica ou tumultuada, mas são opostos com relação a seus métodos e à forma de apresentá-los. A diferença essencial é linguística, pouco mais.


A metafísica é quimérica por enredar o espírito em tramas complexas de relações lógicas, abstrações pias e poéticas, é uma evolução da religião litúrgica a uma espiritualidade acadêmica ou mística. Nesse último caso, nos surpreendemos. O academicismo nos influencia até hoje, sabemos, mas há uma grande influência oriental sobre nós, uma arte subterrânea e, curiosamente, floresceu nos tempos medievais (mais uma vez a Igreja adocica o que lhe é contrário a fim de lhe ser útil), no iluminismo e nos convence de muitas coisas.


O misticismo foi o primeiro grande choque que o pensamento levou, ao mostrar de facto uma superação do quimerismo metafísico pela realidade quimérica que nos coloca. O problema é que nem sua psicologia nem a psicologia não-mística foram capazes de nos fornecer subsídios para entendermos claramente que, na verdade, em todas as ações humanas, culturais, o que se busca, e tal busca chama-se 'vida', o sentido do mundo.


Toda atividade do espírito e mesmo sua imobilidade é uma busca constante pelo sentido. Dar sentido é natural da consciência, poderíamos dizer até que a natureza e os animais só se diferenciam de nós porque NÃO desejam, o contrário do que as cabeças cristãs sempre nos ensinaram. Não desejam, apenas sentem um instinto de preservação, ou seguem leis fixas, caso do vegetal-mineral, ou estão presos a pequenezes psíquicas e a pura sobrevivência instintual. O homem, por sua vez, apreende a realidade através de um instinto, mas ele a processa, ele a transforma, ele aprendeu a sentir o que existe através do que sente, a diferença é que deu sentido ao que sentiu. Isso é conhecer, apreender, é dar sentido, criando assim conceitos, símbolos, códigos para tudo o que sentia.


Quando torna-se mais desenvolvido, essa atividade de dar sentido ao sensível, fazê-lo língua de uma realidade que pudesse ser transmitida, ensinada, o homem cria a razão, isto é, tenta separar tal atividade do sensível. Com essa tentativa de separar essa atividade instintual do instinto, morre-se a razão, nascem quimeras filosóficas, sonhos absurdos, idealismos vãos, debates  torpes, inquisições e muito mais. A mitologia quebrou a atividade de significação ao torná-la privilégio de certa casta, ao divinizá-la, ao separar os homens entre significantes e insignificantes. O insignificante é toda realidade viva, que muda, todo devir é impotente, por não ser eterno como a atividade espiritual. O significante é o pensamento, essa dom de Deus aos privilegiados seres humanos, peregrinos e donos da Terra, sempre em busca do Reino dos Céus.


Essa situação só teve quebras de ímpeto em momentos de profunda depressão social e intelectual, quando os moralistas, ainda obcecados com seus livros sagrados, trataram de dissecar a alma humana. Ao verem o espectro que encontraram, descobriram que não havia alma, mas sim uma enorme gama de paixões que diferenciam o homem do animal. O homem é mais vil e covarde porque pensa, isto é, porque dá sentido ao que o cerca, assim perde os instintos, perde a virilidade, vira besta doentia, vira cristão.