sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A arte e o ornamental da nova juventude pagã

Impossível é apesar das semelhanças e do rigor do compromisso com uma noção quase metafísica da libidinagem, para o jovem dissociar o apolíneo e o dionisíaco da classificação de instintos estéticos, isto é, ligados ao íntimo do ser, mas totalmente distantes de qualquer necessidade espiritual, física e religiosa (embora estas existam como ‘acidentes’). A visão estética do mundo já se dissocia de considerações sobre a moda contemporânea e de qualquer idealismo vazio, se integra, na verdade, ao próprio culto festivo, seja pela falta de senso crítico e juízos racionais sobre esses arrastar-se pela loucura dionisíaca, a embriaguez sentida e levada ao êxtase máximo. Da mesma forma, o apolíneo é simples cristalizar do êxtase de Dioniso em formas mais racionais, formas mais práticas, visíveis. Falando artisticamente...



Qual a importância da arte plástica? O apolíneo aqui se manifesta em uma ilusão, a apreciação proferida falsamente, e inconscientes dessa falsidade, a apreciação falsa do prazer em si, do beber em si, da paquera em si, do tocar, beijar, dançar em si. A dança é tão dionisíaca, isto é, pagã, quanto a música, por estar diretamente ligada a ela como é a voz ligada à fala. Para uma pura contemplação musical é exigido silêncio para concentração, o entregar-se ao espírito da música, mas a dança não é mera quebra dessa corrente, ou mera representação desse espírito, mas é total e essencialmente Unidade realizada fisicamente na mesma medida em que é realizada espiritualmente. Então, mesmo os tímidos, ao serem tomados pelo espírito, estão unos, ainda que imperfeitamente, só em espírito, ao Uno Primordial.


Dança é tanto apolínea quanto dionisíaca ou, para sermos mais comedidos, é o elo mais forte de ligação entre o apolíneo e o dionisíaco, ou ainda é a arte apolínea mais consonante aos instintos pagãos mais puros. Veja-se aqui a condenação do papa Bento XVI às liturgias modernas concernentes ao uso da dança nas missas como algo dissonante da pureza, do equilíbrio. E, de fato, muito mais eficiente que o ecstasy e a vodka é a dança para se chegar ao mesmo êxtase, talvez ainda mais profundo e poderoso; essa União atingida pelo desenvolver do corpo se inicia com o extasiamento mental estimulado por drogas ou pela dança, a dança é mais forte por exigir mais, mais impulsos instintivos, mais vontade por parte dos iniciados. A dança era também usada para o mesmo fim em celebrações pagãs antigas, e nas neopagãs também.


Os outros elementos participantes do apolíneo são acessórios para a entrada no dionisíaco, mas muito mais máscaras a esconder o instinto pagão, são tanto os elementos do culto quanto os da pura festa e, na verdade, não precisa haver separação entre elas, como não deve haver entre iniciados e não-iniciados, e de fato não há. Existem outros recursos apolíneos, intencionais para o desenvolvimento dos instintos, sejam perfumes, roupas, acessórios, maquiagem e mesmo outras pessoas utilizadas para esse mesmo fim. Se eles impulsionam o instinto é algo muito subjetivo, tanto do atiçador quanto do alvo, mas que são atalhos certeiros para se atingir o Uno e também máscaras para esconder o dionisíaco e a própria música, isto é inquestionável.


A música como verdadeira luz, fundamento da realidade, forma pura de se conceber o Todo e até mesmo sua origem e fim? Não sendo apto para levar o assunto por tais veredas, recomendo a leitura do Livro I de “O Mundo como Vontade e Representação” de Arthur Schopenhauer. No que concerne à união com o Uno, se o apolíneo tem sua ‘forma’ nos recursos estéticos, a ‘forma’ do dionisíaco não é a música, mas sua essência. Da mesma forma que a canção, a letra da música é sim sua forma, mera forma que funciona tanto como máscara quanto como atalho, e devemos nos questionar aqui sobre a validade da ‘letra’ frente à ‘melodia’. Não cabe mais defender a exclusão da primeira em preferência da segunda, por razões práticas e mesmo metafísicas. Se pudermos ver o dionisíaco como o verdadeiro incorpóreo, fundamento do caos e, portanto, da existência, veremos que a ‘letra’ é apolínea na verdade, pertence ao sonho e não à embriaguez, é máscara e atalho para o Uno. Eliminar esse apolíneo seria tão estranho como é impensável fazer todos os jovens irem pelados às raves, não importando o que se faz ou se pensa ali durante o êxtase. Não é só a moral que os impede de atingir o Uno, visto que a moral pagã é liberal assim, mas a ausência do apolíneo, do engano, da sombra, da máscara, do sonho os deixa perdidos para o estado de embriaguez.


Dito de outra forma, não há embriaguez se não houver bebida...


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