quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O apolíneo e o dionisíaco no hedonismo atual

Analisando os ditos hedonismos contemporâneos, seja as baladas irresponsáveis, os bailes imorais ou, principalmente, as raves, antros de perversão sexual e moral, dependendo da ânsia de seus participantes em impor a si mesmos uma busca constante pelo desprendimento do mundo, podem se tornar objetos interessantes de estudo, não somente para fins sociológicos, mas também, religiosos, morais e, por que não?, estéticos.



Diga-se de passagem: os mesmos problemas, simultâneos ou não, em maior ou menor grau, que podem estar influenciando ou serem os motivos principais da depravação dos pré-adolescentes podem ser os motores do que chamo espírito baladeiro dos adolescentes, jovens e de muitos adultos também (estes, seja pelo desejo da continuidade da juventude, seja pela fidelidade aos tempos de solteiro, sendo casados ou não ou mesmo por uma estranha integração ao mundo de seus filhos, sobrinhos, netos etc). Mas é um exagero afirmar que não se pronuncia aí uma tendência mais séria e comprometida como uma legitimação da imoralidade mais doce que existiu.


É o que chamamos de fenômeno new age o renascimento das religiões pagãs e do interesse pela cultura dos povos pré-cristãos (principalmente tribos européias) e esse crescimento tem se mantido cada vez mais distante dos movimentos esotéricos sérios assim como da astrologia mais liberal. É um crescer muito mais aberto e dinâmico, mais estrito em esferas particulares de cultura, dependendo do paganismo, se é nórdico (asatrú), celta (druidismo), norte-americano (xamanismo).


Uma das características mais marcantes e que mais se desenvolvem dentro desses movimentos não é um empurrão da cultura pop, visto que esta frequentemente cria falsas figuras relacionadas ao paganismo, falsos conceitos e interpretações e exageros afins. A fonte dos neopagãos parece ser a da pesquisa histórica, que visa resgatar a verdade espiritual e cultural desses povos antigos, e, entre as mais populares facetas dos cultos, está o êxtase sexual, o sagrado feminino e a moral pagã de revalorização dos instintos e de uma ética pragmática, sem consolos metafísicos e estruturas dogmáticas rígidas, com exceção do asatrú que parece ser mais purista e tradicional em seus cultos. A wicca é mais ocultista que pagã, uma anomalia, ressurreição do que nunca existiu, produto tanto de fantasias new age quanto de exageros das antigas ordens pseudopagãs, mesodruídicas, que procuravam resgatar esse sentimento em seus mistérios. Coisa de século XIX.


Nosso objetivo aqui é tratar de moral. Pois bem: a sacralização do sexo está estritamente ligada ao movimento ecológico, o que atrai tanto jovens militantes quanto os descompromissados, tanto viciados em sexo quanto idealistas, e mistos dessas categorias e de outras. Nessa miscelânea, o ponto comum nem são seus deuses, meros arquétipos de sua própria busca, seu eu sacralizado na natureza, verdadeira e única senhora do mundo e do destino. Aqui pouco importa teologia ou dogmas ou livros, culto, o que importa é o encontro com os deuses através do alcance do Eu. Através da plenitude da vida, a fonte máxima do prazer e do êxtase, o sexo...


Por isso, os tímidos, novatos, não são discriminados, pois esse é um culto profundamente pessoal e comunitário, social e religioso, mais interessados em evoluir seus adeptos que angariar novos. Então os novos, como os velhos, tímidos e atirados, têm um treinamento, uma proposta de luta contra a moral aprisionante, contra a cultura hipócrita do pós-moderno. Lutam e se integram ao grupo, integrando-se a si mesmos.


Essa plenitude é atingida através do cultivo do espírito infantil, do desprendimento de sentimentos e emoções que me bloqueiam, me fecham ao prazer, através do amor às coisas belas, de uma transmutação de todos os valores, o amor pelo orgulho, pela arrogância, pelo que me afirma como ser livre e amante do belo e do bom. Não existem Ideias puras, e sim minhas idéias, minhas purezas, eu sou a base do meu mundo, o centro do Universo. Não se pode confundir aqui essa afirmação do eu com ética individualista, visto que o grupo é também valorizado, mas ainda assim esse florescer para o novo é puro processo de autoconhecimento, de avaliação do que me prende. Esse ‘sonho’, essa fantasia infantil, essa mutação moral é pura afirmação da minha individuação diante do caos que a tudo governa. Não há unidade senão pela ética de honra e virtude aristocrática que impera entre os iniciados, e pelas atitudes e valores elevados que os levam a ter vidas plenas e levar vida para o exterior do culto, não moral ou mensagem, mas vida simplesmente. Afirma-se aqui a vida pura e ela nos leva a uma plenitude ainda imperfeita, visto que a individuação nos livra do sofrimento, da ilusão igualitária, da moral estúpida, nos eleva para acima do mundo e do próprio homem, pura inspiração e movimento apolíneo de máscara do caos de energias conflitantes que estão no cerne do homem, mas ainda assim sofremos visto que nossos instintos são incapazes, assim como nossa razão, de nos unir com o Uno, o Perfeito, o Caos. A união ética, social e religiosa não pode nos fazer atingir essa unidade, apenas indica união de pensamentos e sentimentos.


O Uno, o Caos só é atingido pela identificação dos participantes do culto com o que há de igual neles. Dioniso. Mas apesar da identificação de pensamento, de fé, tudo isso é pura individuação, puro apolíneo, visto que a união social é simples paliativo das dores que o devir nos causa, e que os deuses, a cosmologia, a nova ética é implantação do meu ser em todas as esferas do mundo, é uma criação de mundo, fenômeno artístico total. A arte é o viver e o que se chama de arte não passa de uma das facetas desse eu que se coloca como medida de tudo. O que há de igual, de uno em nossas almas? A loucura, a ausência de razão, a entrega total aos instintos, o virar animal, selvagem que se enche tanto de si que encontra o seu verdadeiro eu na quebra do seu ego, não a quebra opressiva e doentia que a moral cristã, judaica, islâmica ou budista prega mas em um esquecimento de tudo que vivi, irracionalidade frente às conseqüências dos atos, impensamento, puro sentir do corpo, vibrar do prazer na alma e nas sensações, êxtase dos sentidos.


Seja pela bebida, pelas drogas, pelo sexo ou por dois desses elementos ou por todos eles juntos, o êxtase vêm, ou se aproxima dele, da plenitude, que não é Ordem, mas é Caos. Logo, não se trata, pelo menos não profundamente, de se utilizar da imoral e culto pagão para legitimar pura libidinagem e depravação, pois estas têm um objetivo: o de me tornar o menos preocupado possível com objetivos, buscas, anseios. Se é humano esse buscar, esse desejo da busca, eu aniquilo unicamente esse desejo pela intensificação de todos os outros, pelo impulso de vida que sinto, que vejo crescer, e, assim, sem desejos, busco o estado de perversão da mente, de destruição do meu eu e atinjo assim o Uno, não pela abnegação dos meus desejos mas pelo esgotamento deles, pela satisfação de todos eles. Com o apolíneo, eu divinizo todo o meu Eu, torno-me deus. Com o dionisíaco, os deuses se tornam parte do Uno, se tornam uma única entidade e todo o mundo faz parte de suas almas e corpos e eles do mundo. Transcendência do corpo e imanência da alma.


Tempos de enterrar a velha moral... de uma vez por todas.


Nenhum comentário: