sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Existencialismo informal hodierno

O medo da vida, pavor do desconhecido, do impenetrável pela luz da razão, a aversão sentida pelo homem pela dor, sofrimento e desespero existentes em todos os níveis de força, intensidade, e o desejo de prolongar a sua existência não pelo desejo da imortalidade, mas pelo imortalizar-se artisticamente, sendo a arte o dissipar do ser em inúmeras representações da realidade, são os motores do culto, da religião e da moral. Se pudermos dizer que a moral antiga, pré-homérica é uma coisa impossível, caótica, diga-se que a moral grega é algo ainda mais impossível para nós, por ser mais profunda, dotada de sentimentos mais liberadores de instintos em matizes estéticas e filosóficas (sim, filosofia como auto-realização, verdade é o Eu mais pleno, minha busca, minha verdade), que os puros impulsos hedonistas ou mesmo o ethos tribal dos povos primitivos, pagãos europeus, pré-cristãos. Para o homem contemporâneo é difícil entender o mais puro barbarismo, a despreocupação com o Ideal de pureza, quanto mais as profundas aspirações do grego de se imortalizar para além da história, mas dentro do mundo e não fora dele, em direção ao Nada, como o cristão afirma.



Se existia uma moral entre esses povos era mais uma moral pessoal, uma superstição de se entender pessoalmente com as divindades e os cultos eram muito mais um apelo, uma lamúria por petições e boas colheitas que o pedir perdão por ofensas da comunidade contra outras comunidades (isso é guerra, nada má em si), de pessoa contra pessoa (a lei tribal determinaria uma punição, o que é algo muito mais racional que o nosso romantismo cristão estúpido), de pessoas e comunidades contra os deuses (aqui temos sacrifícios a serem aceitos, dependendo da gravidade da ofensa). Como se vê, é uma ética pragmática, séria e sóbria. Mas em certo sentido, temos nos aproximado cada vez mais da moral pagã, não a metafísica grega antiga, mas a moral mais indiferentista e saudável que pode haver. Isso se deve aos exageros e fanatismos pregados pelas religiões monoteístas, suas violências psicológicas, a renúncia ao que só leva á morte, ao sofrimento, como o ascetismo, jejum, longas orações, e privação de prazeres, principalmente o sexual. Mas a questão moral parece ainda mais forte hoje, não se interessa mais pelo mais desinteressado e bondoso ato se não estiver acompanhado de prazer, realização.


Como a sociedade ocidental aliviou esse instinto, esse sentimento de carência perante a vida? Como já sabemos, o idealismo cristão deu lugar ao humanismo, ainda idealista, e, depois, o mundo virou palco de conflitos ideológicos amargurados e o que houve depois? Um renascimento do prazer consumista, a sexualidade banalizada pelo senso comercial, a ‘aburguesização’ de toda a realidade, a idolatria da fama televisiva, o fenômeno cultural chamado ‘pop’ nascido da Terceira Revolução Industrial. O vazio se alarga...


Desejo de espiritualidade? O interesse renovado do ocidental pelo budismo e até por outras formas de religião renovadas, ou pelos movimentos neopagãos não é puro new age, nem vazio espiritual ou mesmo consciência ecológica viva. Trata-se tanto de um despertar do ocultismo, disfarçado de new age, quanto de um reinteresse pela história, perdido no século XX graças à luta de ideologias, e paixão pelo que a história esqueceu, a história do belo e insondável paganismo e seus mistérios. Mas é principalmente um despertar dos instintos mais íntimos e poderosos do ser humano que se usa dessas máscaras conceituais e históricas para se reafirmar como senhor do homem, do novo homem. Talvez seja apenas um romantismo barato, mas essa nova apreciação da imoralidade nos dias contemporâneos não parece um fenômeno passageiro.


Falando aqui em outros termos, pode-se ver como esse instinto renascido se manifesta na execução de crimes mais bárbaros, aumento de doenças mentais, distúrbios psicológicos, e mesmo renovações nos setores mais atrasados, idealistas e aprisionantes como o é a Igreja, agora revitalizada pela Renovação Carismática. E não pára por aí, a própria moral dos códigos jurídicos, das constituições modernas, ainda que sofrendo influência do obscurantismo religioso, especialmente romano, está mais ligado a uma perfeição, um sonho romântico de perfeição que almejam que o Estado laico atinja. Laico e com suas próprias leis? Como? Falamos de moral primitiva? Não, essa foi há muito esquecida. Falamos de um novo otimismo da ética laica, impulsionada pela nova visão de ética individualista e social, apenas no sentido em que é utilizada e praticada nas grandes corporações.


No fundo, o instinto primevo aí se encontra e a busca por ele é também impulsionada por essa ética laica, esse otimismo que garante aos homens a liberdade de a tudo conhecer, a tudo fazer, a tudo ser, e, principalmente, a tudo ter. Essa falsa plenitude prometida pelo capitalismo é um tiro no pé, no pé capitalista e no pé comunista. As críticas da esquerda produzem efeito contrário ao desejado, essa ética torna-se ainda mais querida e, por ela, inicia-se o processo de desintegração da civilização e o início de uma nova ordem humana: a ordem do instinto, do querer, não do querer possuir, mas do simples querer, a onipotência da vontade.


A metempsicose do avesso se realiza e o animal-homem se torna deus ao se afirmar e buscar ser cada vez mais animal...


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